Industrialização e urbanização na Primeira República
Indústria e classe operária no Brasil
A industrialização brasileira, diferentemente de casos clássicos como o inglês, ocorre de modo lento, ao longo de todo século XX, quase sempre atrelada às ações do Estado. Portanto, ao abordarmos a industrialização na Primeira República, estamos tratando de uma primeira fase dessa longa revolução industrial brasileira, na qual nossa produção estava voltada principalmente para os bens de consumo.
Essa industrialização começa a ocorrer nas primeiras décadas do século XX, sendo intensificada após a Primeira Guerra Mundial. Isso foi possível em razão do crescimento do mercado consumidor brasileiro, impulsionado pela introdução do trabalho livre no país, bem como pela impossibilidade de produção dos países europeus após a guerra, que fez com que o Brasil substituísse as importações europeias, passando a produzir alguns produtos dentro do país.
Além de capital e mercado, toda industrialização também gera a necessidade de mão de obra para as indústrias nascentes. Por isso, um dos temas relacionados a qualquer industrialização é a formação de uma classe operária. Apenas o fato de várias pessoas trabalharem em indústrias não é suficiente para a formação de uma classe. Mais que trabalho, é preciso que esses indivíduos compartilhem experiências. Tais experiências vão contribuir para a formação de uma identidade em comum entre os trabalhadores e, principalmente, para que, a partir dessa identidade, eles ajam politicamente em conjunto.
Assim, motivados pelas experiências vivenciadas durante essa industrialização, os operários começaram a criar suas primeiras organizações, que visavam desde a ajuda mútua até a melhoria das condições de vida e trabalho. Essas organizações foram fundamentais para que o movimento operário brasileiro desencadeasse várias manifestações, como a famosa greve geral de 1917, em busca de direitos trabalhistas.
Ideologicamente, esses operários se orientavam de modo diverso. De início, as ideias anarquistas eram predominantes entre os operários, sendo fundamentais para a ocorrência das greves. Contudo, a partir de 1917, com a Revolução Bolchevique na Rússia, o anarquismo perde espaço no movimento operário, dando lugar a uma maior influência das ideias comunistas. Dessa transição entre o anarquismo e o comunismo nasce, em 1922, o PCB — Partido Comunista do Brasil.
Mesmo com a pressão dessa nascente classe operária, o Estado e o governo brasileiros ainda continuam controlados pelas oligarquias, que tratam as manifestações, em sua maioria, como casos de polícia. Isso não significa, por outro lado, que as lutas dos trabalhadores não tiveram importância. Ao contrário, em um cenário político dominado pelas oligarquias, a entrada dos trabalhadores na cena política é um fator histórico de grande relevância. A partir de suas organizações, a classe operária brasileira se colocou como sujeito histórico dentro do cenário político brasileiro. Desse momento em diante, os trabalhadores cumpririam um papel decisivo na manutenção e legitimidade de todos os governos brasileiros.
A Belle Époque brasileira: o progresso e a exclusão
Nesse início do século XX, as ideias de modernidade e progresso que vinham da Europa, principalmente da França, influenciaram as oligarquias brasileiras. Na Belle Époque brasileira, ser moderno significava viver os costumes das nações europeias, consideradas como civilizadas.
Essa ideia de um modo de vida europeu nos trópicos foi simbolizada principalmente pelo Rio de Janeiro, ainda capital do Brasil. No século XIX, o Rio de Janeiro era uma cidade com um grande população que, em sua maioria, vivia amontoada nos vários cortiços em condições insalubres. Não por acaso, naquele momento a cidade vivenciou várias epidemias que foram responsáveis pela morte de milhares de pessoas. Assim, inspirados por esses ideias de progresso e pelas novas teorias higienistas em voga na Europa, o governo do Rio de Janeiro iniciou uma ampla reforma urbana.
Tratava-se de reformar a cidade para abrir grandes avenidas que permitiriam não somente a ampla circulação de pessoas, mas também a abertura de lojas que, em suas vitrines, exibiriam o que havia de mais moderno. Passear pelas avenidas, em bons trajes e usando termos em francês, era sinônimo de uma pessoa civilizada, antenada com as últimas novidades do progresso e da moda.
Todavia, é preciso também compreender a faceta trágica dessa mesma modernidade. Se, por um lado, as elites passeiam pelas avenidas sentindo-se civilizadas, por outro, há aqueles que foram brutalmente excluídos desse processo. Ao abrir essas largas avenidas, a reforma urbana do Rio de Janeiro, inspirada na reforma de Paris feita no século XIX, destruiu os cortiços, expulsando os moradores mais pobres do centro da cidade para as periferias. Isso revela que a noção de civilização utilizada por essas elites brasileiras enxergava nas classes populares um exemplo de barbárie. Incultas e bárbaras, essas classes populares significavam o contrário da modernidade e da civilização. Por isso, a nova e bela cidade que se inaugurava, não havia sido projetada para eles.
Esse cenário de exclusão não seria vivenciado passivamente por essas pessoas. Durante esse período, houve algumas revoltas, dentre as quais a mais conhecida é a Revolta da Vacina. É preciso entender que, para além da vacinação obrigatória, a Revolta da Vacina revela também a insatisfação das classes populares com as ações autoritárias do governo. A revolta é também uma reação contra a exclusão desenhada pela Belle Époque.
Nesse sentido, a campanha de vacinação obrigatória contra a varíola, aprovada pelo governo no final do ano de 1904, aparece como algo intolerável para essas pessoas. Em um cenário de exclusão e dificuldades econômicas e sociais, vivendo uma cidadania incompleta, essas classes foram submetidas a uma campanha associada ao autoritarismo de um Estado que invadia suas casas e forçava a vacinação. Assim, em alguns dias de novembro de 1904, a insatisfação explode, gerando um saldo de destruição na cidade do Rio de Janeiro.
Após alguns dias de revolta, o governo recuou e decretou o fim da vacinação obrigatória. Contudo, isso não significou uma vitória para população do Rio. Ao contrário, o Estado oligárquico mostrou mais uma vez seu autoritarismo, produzindo uma forte repressão aos revoltosos. Além de 945 presos, dentre os quais quase metade foi deportada para o Acre para trabalhar, houve 30 mortes.
Portanto, é preciso observar a modernidade com criticidade. Por um lado, há o progresso, visto na formação das indústrias, dos novos produtos e nas reformas urbanas que embelezaram as cidades brasileiras. Por outro, como uma outra face da mesma moeda, o projeto de um Brasil civilizado e moderno condena e exclui grande parte de sua população, considera inculta e bárbara e, logo, incapaz de vivenciar a modernidade. Na modernidade progresso e destruição são inseparáveis.